D. Chuva e Sr. Vento

E agora? Como vou explicar aos senhores da biblioteca as folhas rasgadas da D. Chuva e Sr. Vento? As lágrimas bailavam nos imensos olhos verdes de Mariana. A avó encolhe os ombros: - Diz a verdade, que a tua irmã mais nova agarrou o livro e que, sem tu veres e sem querer, rasgou umas folhitas!
Mariana, tímida e amedrontada, achava que não, mesmo a verdade não seria suficiente para escapar aos ralhetes dos «senhores» da biblioteca itinerante. Parecia estar a vê-los transformados em «senhores Ventos» de caras gorduchas, sobrancelhas farfalhudas e unidas, de ar ameaçador a soprarem ciclones de palavras confusas.
E foi carregando aquele enorme fardo, com uma tenaz a apertar-lhe o pequeno coração, que Mariana foi para o «julgamento» dos senhores da biblioteca. A fila nem estava muito comprida, a terrível tenaz só apertaria até que fossem atendidas duas meninas, um menino e mais uma rapariga mais velha, a Carlota.
- Gostaste do livro? - perguntou a rapariga mais velha.
- Gostei! - respondeu Mariana, com vontade de não responder coisa nenhuma, e as gotinhas de suor a ensoparem-lhe as mãos fazendo escorregar D. Chuva e Sr. Vento. E tudo a andar tão devagar!
Finalmente, subiu os dois pequenos degraus da carrinha, pousou o cartão e o livro de folhas dilaceradas. A tenaz deixara de apertar e as gotinhas de suor tinham-se evaporado. Eram só uns olhos verdes grandes, assustados e expectantes que fitavam os «senhores» da biblioteca. Folheado ao acaso, as folhas rasgadas nem se viram. (Os «senhores» fingiram não ver...)
- Vais levar mais livros? - perguntaram-lhe.
- Vou - respondeu-lhes timidamente.
Quando chegou a casa da avó levando mais uns quantos livros de histórias, esta, sempre prática:
- Mais livros! Vê lá se também não te esqueces de ler os da escola!
Anos mais tarde, Mariana agradeceria ao Sr. Gulbenkian e aos «senhores» da biblioteca por terem ajudado a descobrir outros mundos que não apenas a sua pequena aldeia no meio da planície.
Margarida Manguito in Histórias devidas

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