Cão

Eu vivia naquela quinta.
Quinta com muros, com um tanque geométrico para o qual caía a água de uma larga torneira.
Eu fugia da quinta lendo, lendo o que podia.
A meu lado, sentava-se o grande cão que, durante o ano, estava só, entre aqueles muros. Era o «Top».
Castanho, de olhos mansos e bons.
«Top», de vez em quando, batia-me no braço, no livro.
Como se me dissesse:
-Estou aqui. Lembra-te de que existo.
E a minha mão escorregava-lhe pela cabeça sedosa e triste.
E olhava-o, pedindo-lhe que me desculpasse eu estar desatenta à sua solidão tão humana.
Porque «Top», assim, ensinou-me a entender melhor a solidão dos homens. O valor de um pequeno gesto.
E ensinou-me a liberdade imensa que é o olhar preso de um cão.
E a liberdade de tudo o que contém o amor.


Matilde Rosa Araújo in O sol e o menino dos pés frios

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