NUM DIA DE VERÃO O NEVOEIRO

Num dia de verão o nevoeiro denso desceu à cidade. As pessoas encontrando-se fora de casa entravam rápidamente, as pessoas dentro das casas saíam para ver o que não se via. Porém, os habitantes do Restelo, sem se formar, em cortejo irregular, desciam a avenida recta, aquela onde, à direita, antes do nevoeiro, existia o cinema, aquela que segue até à Torre de Belém; iam descendo, em silêncio, com o credo na boca, com gritos, em orações, e de novo em silêncio, desta vez já o nevoeiro dentro das bocas. Chegando, esperavam com paciência e num tempo relativamente curto surgiu das águas um cavalo montado por Pedro o Grande; já iniciou a subida da avenida do Restelo, sem um único gesto: o nevoeiro dissipava-se.

Havia qualquer engano dentro do nevoeiro, enquanto, talvez, perto de Nieva, uma outra personagem, passava por entre o pranto e os soluços dos velhos russos ajoelhados, algo surpreendidos, com a fisionomia do Desejado local.

Aqui e lá ouviu-se ainda o relinchar dos cavalos algures nas águas, a comitiva atrasada ou a chegada de um terceiro mito qualquer, mas não atingiram a margem, nem do Tejo nem do Nieva. A tempo voltaram ao silêncio moderado a fim de não aumentar a confusão instaurada.

O nevoeiro evidentemente espera ainda a sua geografia, as pesquisas geopolíticas e a abordagem sociológica, para não mais serem cometidos erros deploráveis, embora poéticos, num dia de verão.

Jorge Listopad, in "Contos Carcomidos"

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