Quem é o burro?

     Era uma vez um estudante de Salamanca de regresso à faculdade após um fim-de-semana bem passado. Doía-lhe a cabeça, doíam-lhe os pés. Daria tudo para andar às cavalitas daquele burro, amarrado do lado de fora do casebre de um camponês! Mas tinha os bolsos vazios, e não lhe parecia que o camponês lho fosse emprestar a troco de nada. Então o nosso estudante congeminou um plano astuto.
     Quando o camponês saiu da sua choupana, não viu qualquer sinal do burro; só o estudante ali ajoelhado, com a brida do burro colocada à volta do pescoço.
     - Quem és? - perguntou o camponês.
     O estudante olhou por si abaixo: pés, mãos e tudo o resto que está pelo meio.
     - Terei eu sonhado? - perguntou. - Ou terá mesmo acontecido? Sonhei que era um burro. Espera lá. Lembro-me do meu professor - que também é uma espécie de mágico, pelo menos é o que dizem - lembro-me de ele me dizer que eu não estava a estudar o suficiente. Se eu estava tão empenhado em ser burro, disse ele... então... então... Oh! Será que ele me transformou em burro? O que lhe parece?
     O pobre homem não sabia o que pensar. Não podia fazer mais do que confiar nos seus olhos.
     - Bem, tens sido um bom trabalhador para mim - disse ele, tirando a brida.
     - Comunicarei isso mesmo ao meu professor. A propósito, como se chama?
     - António.
     - António. Lembrar-me-ei. Adeus.
     O estudante recolheu o burro de António ao virar da esquina, onde o tinha escondido, e foi o resto do caminho até Salamanca encavalitado em cima do animal.
     Mais tarde, nesse mesmo dia, António ia a caminhar até à cidade para comprar um novo burro, quando viu o seu velho burro amarrado a uma árvore com um letreiro pendurado à volta do pescoço: - Por favor, levem-me de volta para o António, o camponês.
     António sacudiu a cabeça: - Arreliaste o teu professor outra vez, não foi? Anda lá, então, vamos para casa. Pergunto-me quantos anos vais trabalhar para mim desta vez. 

Celeste Pereira (adaptação), in "Contos Divertidos"

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