Onde se conta que todas as coisas têm o seu espírito

Deveis saber que eu sei, porque me contaram, que todas as coisas do universo têm o seu espírito. Quantas coisas existem no universo?
Muitíssimas.
Muitas, mas mesmo muitas, muitíssimas.
Existem as montanhas e existem os vulcões, existem os morros e existem as colinas, existem os rios, os riachos, os regatos, as fontes, e as plantas e as árvores e as pedras e a areia do mar e cada uma das gotas das águas do mar... Tantas coisas existem no universo!
Então, deveis saber que cada coisa tem o seu espírito.
E a coisa mais bela é que aquele espírito tem um nome.
Chama-se Rajaw Juyub' (nome que lhe demos nós, os maias).
Rajaw Juyub' desliza entre as folhas do bosque, como uma serpente, mas não é uma serpente.
O Rajaw Juyub' anda à vontade nas águas como um peixe, mas não é um peixe.
O Rajaw Juyub' voa no vento, mas não é um pássaro.
O Rajaw Juyub' é espírito do universo.
O Rajaw Juyub' é o guardião das coisas do universo.
Está em todos os lugares da natureza, vigilante, atento a tudo.
São quatro olhos que flutuam na bruma, no ar cristalino, no reflexo da água.
Por vezes aparece, mas não tem forma. Um silvo longínquo... é o Rajaw Juyub'. Uma sombra que aparece e desaparece... é o Rajaw Juyub'. Um rangido, algo que passa, que se vê e não se vê.
Quando alguém viola as leis da natureza, quando alguém abusa das coisas, quando alguém corta as árvores para roubar o oxigénio, ou recolhe a vegetação dos lagos para os fazer secar, quando queima plantas e silvas nas montanhas para as destruir, então aparece-lhes o Rajaw Juyub', o guardião das coisas.
Aquele a quem aparece fica encantado, como se dormisse estando desperto.
Aqueles a quem aparece tornam-se sonâmbulos, depois, como se despertassem de um longo sono, lembram-se de ter falado com alguém, mas não se lembram de que coisa, nem se recordam com quem. Regressam a casa e dizem "Sonhei que falava com alguém, mas não me lembro do que falava nem com quem falava." Depois, ficam doentes e morrem.
Mas se se arrependerem, se pedirem  perdão, se fizerem as suas oferendas, se oferecerem o seu tributo ao Criador, então vivem muito tempo  até que os cabelos fiquem brancos e tornam-se anciãs e anciãos respeitáveis.
Por vezes, o Rajaw Juyub' assume a forma de um cão, ou a forma de um coiote, ou a forma de um animal qualquer. Por vezes, nas montanhas deparamo-nos com um animal que passeia tranquilamente. Pode ser o Rajaw Juyub', aquele que julga as condutas dos seres humanos nas relações com a natureza.
Por isso, as Avós e os Avôs, nas terras maias, levam-lhe velas e flores, muito mel e oferendas.

Rigoberta Menchú e Dante Liano in "O pote de mel"

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