Porque é que o diabo é zarolho

Disse a Avó Ugago: «A areia guarda muitos mais segredos que o dos ratos ladrões do meu bisavô Ibrahim.
O diabo desceu da duna em direcção ao cemitério e eu segui-o.
Ao chegar, bateu com o pé esquerdo três vezes no chão. Formou-se logo um remoinho que nos arrastou até às profundezas.
Eu não via o caminho a seguir, só o resplendor da cor do vinho que iluminava as costas do diabo. Depressa escutámos os lamentos dos mortos a chorar pelos seus parentes, milhares de orações perdidas à procura de um destinatário.
O diabo avançava com passo firme, afastando as almas que se punham à sua frente: «A mão, dá-nos a mão», pediam. Mas eu sabia que se lha desse não voltaria a ver a luz.
Encontrámos a minha tia Baína a dançar à volta de uma fogueira.
- Tia Baína! - exclamei.
- O que é que estás aqui a fazer, Ugago? Não te pedi para rezares por mim?
- Pediste, mas..
- E porque é que vens tão mal acompanhada? Nunca confies no diabo, nunca.
- Eu, não confio, tia, foi ele que insitiu em vir até aqui.
- Então, meu dançarino, querias ver-me?
Se o diabo pudesse ficar corado, naquele momento teria ficado vermelho como um tomate.
- Vim cá para te levar comigo, Baína - respondeu o diabo- ... se quiseres.
- E o que é que me ofereces em troca?
- Descanso. Ao meu lado não terás que dançar para sempre.
- Não acredito.
- Dou-te uma garantia.
O diabo arrancou o seu próprio olho direito e ofereceu-o Baína.
- Este é olho que vê metade das coisas. Eu guardarei o outro para ver a outra metade. Não poderei ver tudo se não estiverem os dois juntos. Quando quiseres ir a algum lugar, terás o olho como garantia de que eu te levarei aonde desejares ir.
A minha tia Baína pegou no olho sem pensar muito, ou foi o que me pareceu. Nesse momento, a fogueira apagou-se e Baína pôde para de dançar.
Com o olho bem apertado na mão, Baína ordenou ao diabo que me devolvesse à superficíe, e o diabo obedeceu. Para além disso, ofereceu-me um amuleto com o qual, segundo as suas palavras, poderia conseguir quelquer coisa, bastava pedi-la.
Voltei a casa sem rezar pela minha tia Baína, mas segui o seu conselho e lancei o amuleto à areia, não fosse o caso.
Não deves confiar em Ninguém, porque é assim que se chama o diabo.»
Disse eu: «E esse era o amuleto que encontrou aquela rapariga da outra história?»
Disse a Avó Ugago: «O que é que achas?».

P. Carballeira in Smara

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