A redacção da vaca

"A história da redacção da vaca é um daqueles mitos urbanos envolvidos em mistério - como boa parte das histórias que passam pela mesa de trabalho d'O Homem que mordeu o Cão. Num lugar surgem descritos certos pormenores de localização e autoria que, noutro lugar, são já completamente diferentes. Foi exactamente desta maneira que o caso chegou às minhas mãos: como uma redacção escrita por um aluno francês com uma mente algo... à deriva, digamos assim.

«O pássaro de que vos vou falar é o mocho. O mocho não vê nada de dia, e à noite é mais cego que uma toupeira. Não sei grande coisa do mocho, por isso vou continuar com outro animal que vou escolher - a vaca.

A vaca é um mamífero. A vaca tem seis lados: o da direita, o da esquerda, o de cima, o de baixo, o de trás, que tem um rabo, o qual tem um pincel pendurado. Com este pincel espantam-se as moscas para que não caiam no leite. A cabeça serve para que lhe saiam os cornos e também porque a boca tem de estar nalgum lado. Os cornos são para a vaca combater com eles. Pela parte de baixo tem leite, está equipada para que se possa ordenhar. Quando se ordenha, o leite vem e não pára nunca. Como é que se desenrasca, a vaca? Nunca compreendi, mas o leite sai cada vez com mais abundância.

O marido da vaca é o boi. O boi não é mamífero. A vaca não come muito, mas o que come, come duas vezes, ou seja: já tem bastante. Quando tem fome, muge; quando não diz nada, é porque está cheia de erva por dentro. As suas patas chegam ao chão. A vaca tem o olfacto muito desenvolvido, pelo que se pode cheirá-la desde muito longe.

É por isso que o ar do campo é tão puro.»"






Nuno Markl, in "O Homem que mordeu o Cão"

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