Rosalinda

Uma vez, tinha eu tantos anos como todos os dedos da minha mão direita, acordei devagarinho, saí da cama, subi a um banquinho, espreitei pela janela do meu quarto e vi tudo forrado a neve. Havia um silêncio estranho na minha aldeia, sem pássaros a voar, sem cães a latir, sem ninguém a passar. Apenas um vento levezinho fazia mexer as camélias vermelhas de uma velha cameleira.
Eu estava sozinha em casa e tinha vontade de ir mexer na neve, fazer um boneco muito maior e muito mais gordo que eu. De repente, a porta de entrada da minha casa abanou, e eu ouvi: truz, truz!
- Quem é? - perguntei.
- Sou eu, abre a porta, Mariana!
- Tu? Mas como é possível? - disse eu, admirada, depois de espreitar pelo buraco da fechadura.
Abri a porta e comecei a rir.
Estava tão engraçada a minha boneca, que tinha desaparecido de casa sem me dizer nada. Deixei de rir, e comecei a ralhar:
- Fizeste-me sofrer, Rosalinda. Procurei-te por todos os lados, chamei por ti até ficar rouca. Não voltes a sair sem me avisar, ouviste?
Quando me passou a arrelia, espantei-me.
- Estás diferente. Rosalinda!
A minha boneca tinha o cabelo todo branco, e a roupa era exatamente igual à cor da neve. Reparei nos seus olhos cansados.
- Precisas de descansar, Rosalinda! - disse eu com voz de mãe preocupada.
Com cuidado, para não a magoar, peguei na Rosalinda ao colo, dei-lhe um beijo, levei-a para o meu quarto, e comecei a cantar baixinho:
Nana, nana, avozinha
nana, nana, meu amor
nana, nana, Rosalinda
num colinho de calor.
Cantei, embalei, voltei a cantar, tornei a embalar. E a minha boneca Rosalinda desfez-se em fiozinhos de água.
Nunca mais tive uma manhã de neve tão mágica como esta te contei.

António Mota, in Visão nº 1048


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