O gancho

"O Quim e a Nela eram um casalinho de namorados, daqueles que se conhecem na escola primária e continuam juntos a vida fora. Tinham planos para o futuro, como qualquer casal, e também já tinham os seus hábitos.
Todos os dias, o Quim ia buscar a Nela ao emprego e depois lá iam, para um campo situado fora da vilazinha. Lá, podiam pôr o rádio do carro nas alturas e estar um bocadinho sós, longe de todos.
Naquele dia, já estava a escurecer quando ouviram o noticiário local: "... escapou da Prisão de Santa Maria.... condenado por assassinato..."
O Quim parou de tamborilar com os dedos no volante, "... Está a ser levada a cabo uma caça ao homem em grande escala", zumbia a voz metálica no tablier do carro. "A polícia aconselha os cidadãos a não se aproximarem dele pois é extremamente perigoso. De facto, o indivíduo em questão é maneta e tem um gancho no coto direito..."
- Um gancho! - disse a Nela, estremecendo. - Que horror!
- Que horror! - zombou o Quim.
- O que é isto? - gritou a Nela, comprimindo-se contra o Quim.
- O quê?
- Aquele rangido!
- Acalma-te! - disse o Quim. - Esta lata está sempre a estalar e a gemer.
- Vamos já embora, Quim! Depressa!
- Mulheres... Têm medo de tudo! - suspirou o Quim.
- Desculpa - disse Nela, quando o Quim estacionou em frente à sua casa. - Assustei-me com aquele ruído. Queres entrar? O meu pai ainda não chegou...
Então o Quim saiu e, contornando o carro pela traseira, dirigiu-se para a porta da Nela. E lá, pendurado na maçaneta, ainda a balouçar, estava um grande gancho de aço."

Kevin Crossley-Holland in "Contos arrepiantes" 

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