Cowboy judeu

   "Eu estava a viver um daqueles momentos por que qualquer professor do secundário anseia. A turma estava silenciosa, escutando enlevada um dos seus colegas que apresentava um trabalho de Sociologia. Os meus alunos tinham escolhido investigar um aspecto específico da sua herança cultural e Bruce centrara o seu trabalho no Judaísmo, a religião a que se convertera quando tinha dez anos. Estava a explicar os rituais de oração aos seus colegas, algo que só um adolescente muito afoito poderia levar a cabo sem se sentir embaraçado.
   Bruce era aluno do último ano, um rapaz alto e bem-parecido a quem toda a turma atribuiria de bom grado o título de «o maior». Sempre que ele se dignava falar, os colegas escutavam-no com toda a atenção. No estrado da sala, Bruce explicou que pôr o tefilim* era um acto sagrado e que, como tal, deveria ser realizado no mais total silêncio. Para meu grande espanto e orgulho, toda a turma ficou quieta e calada, quase de respiração suspensa. Bruce rezou e, lentamente, pôs no braço a fina tira preta, após o que, com toda a gravidade, colocou a outra tira na testa. Nunca me passara pela cabeça que, pudesse assistir a uma manifestação de um respeito tão extremo, tão reverente, numa escola pública. Quando Bruce acabou, os colegas fizeram-lhe algumas perguntas num tom igualmente respeitoso. Bruce respondeu com uma paciência profissional, após o que se dirigiu ao meu gabinete, a fim de retirar as tiras e rezar em privado. Fiquei cheia de uma fé renovada no Adolescente Americano e, durante uma semana, não me cansei de contar esta história de convicção religiosa e autoconfiança adolescente.
   No ano seguinte, Bruce apareceu para uma visita à escola antes das férias de Acção de Graças, algo que os ex-alunos, sobretudo os mais recentes, costumam fazer. Sem querer, ouvi-o contar a um grupo de admiradores que adiara a sua entrada na universidade por um tempo, pois, agora, participava em rodeos algures no Sul dos EUA. Desenvolvera um claro sotaque sulista e estava encostado à ombreira da porta com os seus blue jeans, em cujo bolso de trás, com desleixo estudado, enfiara um lenço. Falava de montar novilhos como se nunca tivesse feito outra coisa na vida. Quando os outros estudantes entraram na sala, não resisti à curiosidade e chamei Bruce à parte.
   «Bruce», disse eu, «só gostava de saber uma coisa... Como é que reagem os teus amigos cowboys quando tu não podes participar no rodeo por causa do Sabat?»
   «Oh, não, sôtôra», disse ele. «Eu já me deixei disso tudo. Eu agora nasci de novo.»"

* Na religião judaica, nome dado a pequenas tiras de pergaminho com passagens bíblicas (e às caixas que as contêm) que os crentes põem no braço esquerdo e na testa na oração matinal dos dias úteis.(N. do T.)

Jennifer Pye, in "Pensei que o meu pai era Deus" (org. Paul Auster)

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