Livro da Semana


Os Memoráveis

de

Lídia Jorge


     "Em 2004, Ana Maria Machado, repórter portuguesa em Washington, é convidada a fazer um documentário sobre a Revolução de 1974, considerada pelo embaixador americano à época em Lisboa como raro momento da História. Aceite o trabalho, regressa a Portugal, contrata dois antigos colegas, e os três jovens entrevistam vários intervenientes e testemunhas do golpe de Estado, revisitando os mitos da Revolução de Abril. Um percurso que permite surpreender o efeito da passagem do tempo não só sobre esses heróis, como também sobre a sociedade portuguesa, na sua grandeza e nas suas misérias.
     Transfiguradas, como se fossem figuras sobreviventes de um tempo já inalcançável, as personagens de Os Memoráveis tentam recriar o que foi a ilusão revolucionária, a desilusão de muitos dos participantes e o árduo caminho para uma Democracia.
     Paralela a esta acção decorre uma outra, pessoal e íntima: a história do pai da protagonista, António Machado, que retrata em privado o destino que se abate sobre todos os outros. Todos vivem na Democracia, uma espécie de lugar de exílio. Mas um dia, todas as misérias serão esquecidas, quando se relatar o tempo dos memoráveis.

     O antigo embaixador inclinou-se para a bandeja do copeiro, ajustou o casaco de seda em cuja algibeira havia canetas douradas, e falou em português. - «Pode crer, miss Machado, que nunca encontrei ao longo do meu percurso um povo tão sensato como aquele a que você pertence. Um povo pobre, sem álgebra, sem letras, cinquenta anos de ditadura sobre as costas, o pé amarrado à terra, e de repente acontece um golpe de Estado, todos vêm para a rua gritar, cada um com sua alucinação, seu projecto e seu interesse, uns ameaçando os outros, corpo a corpo, cara a cara, muitos têm armas na mão, e ao fim e ao cabo insultam-se, batem-se, prendem-se, e não se matam. Eu vi, eu assisti. É esta realidade que é preciso contar antes que seja tarde.»

     Em Os Memoráveis, Lídia Jorge procura surpreender aquele espaço indefinido que decorre entre o relato que a História ilumina, cheia de verdades difíceis de enfrentar, e a criação do mito, quando a vida já se transformou numa construção da imaginação ou da vontade."

Comentários