Poema da Semana

morte convencional

dizem que a coisa é assim: a grande sonsa
crepuscular alastra pelas veias,
fogem tacto e olfacto à geringonça
e o gosto, o ouvido, a vista e as ideias.

o cabelo suado, a barba intonsa,
as demais circunstâncias muito feias,
alguma gente em pranto que responsa
num negrume confuso de alcateias.

deitam o olho às jóias, à mobília,
os membros menos tristes da família
e a chuva dá nos vidros grosso açoite.

vai-se em cata da agência à luz das velas
nas páginas abertas, amarelas,
a murmurar: «não passa desta noite.»

Vasco Graça Moura, in "Poesia: 1997-2000"

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