Onde se fala de felicidade

   "Talvez, quem sabe?, depois da morte continuemos a sonhar que vivemos. Talvez a vida seja um sonho, como dizem os budistas, ou talvez seja fogo e combustão como em algumas teologias cristãs. De qualquer forma, a crer no velho tango da minha infância (estou certo que há-de haver também um fado sobre o assunto), hay que vivirla. Com alegria, e reconhecimento, ou só com resignação, não excluindo sentimentos menos convencionais. 
   Ontem de manhã, discutia-se na TSF a felicidade. Parece que os portugueses não são felizes, e tentava perceber-se porquê. As discussões inconclusivas são as mais interessantes, sobretudo quando, como era o meu caso, se vem a conduzir cansadamente sob nevoeiro, ao longo de uma auto-estrada interminável e irreal. 
   Numa coisa parecia estar toda a gente de acordo: o PIB não é um índice fiável de felicidade. Eu diria que o índice mais fiável de felicidade é não se perguntar se se é feliz. Quando se pergunta já o caldo da felicidade está entornado. O que quer dizer que, se formos felizes, provavelmente não o saberemos. Mas como sermos felizes sem o saber? À mesma hora, na Antena 2, a filarmónica de Berlim tocava a Sinfonia Italiana de Mendelssohn, e pareceu-me uma boa resposta. Uma resposta, como a vida, a pergunta nenhuma."
JN, 21/11/2007
Manuel António Pina, in "Crónica, saudade da literatura"

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