Visita guiada

Ilustração de Manuela Bacelar



   "Chego antes da hora, como é aconselhável ao visitante intimidado pelo incenso de erudição - as oficinas ficavam ali, no Café dos Artistas, onde os músicos fazem horas para o ensaio. O burburinho lembra os cobradores do turno da manhã conferindo o apuro da sacola com o canhoto dos bilhetes. Sem o mesmo entusiasmo, é certo. Nesse tempo, era um guarda-freio recolhendo o meu eléctrico. Hoje, aprecio os panos de vidro ondulado, as escadarias, o auditório com a sua nave de basílica profana. Algures, dum casulo, solta-se um florilégio lírico, um violoncelo dá um último retoque na afinação. Da larga vidraça vejo lojas vazias, um istmo de mato que liga a Rua 5 de Outubro à estação do Metro como uma ideia desgrenhada resistindo ao pente urbanístico. Escondido entre as sarças, um olho espia a Casa. É um fiscal da cidade profunda registando na costaneira a despesa do cartaz e a taxa de ocupação - só para saber se a música é sustentável."

Carlos Tê, in "Cimo de Vila"

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