O homem que inventou o mar

O mar cheirava a uma vela inchada
pelo vento, onde a água, o sal e um sol
frio se uniam.
 Patrick Süskind, in O Perfume

   "O homem ouvira falar do mar. Um daqueles viajantes que carregam consigo sonhos em forma de palavras, tinha dito das ondas, do azul, da imensidão de água. Falara dos peixes que o habitavam, contara lendas de espantar e dissera que os homens dos mundos à beira-mar os pescavam, horas e horas sentados nos locais onde a água vinha tocar a terra.
   Aquele homem vivia sozinho, num país árido, quase deserto. Tinha envelhecido a sonhar com o mar. Queria apanhar um peixe, ser da água, vivo, brilhante. Queria que as ondas o molhassem, lhe refrescassem o corpo, queria dar-se àquela água que, tinha a certeza, o esperava. A sua cana de pesca era um pau fino que todos os dias afagava, imaginando o belo peixe que nela dançaria. Até talvez o desse depois ao mar, onde afinal pertencia.
   Um dia partiu. Caminhou na secura desértica sem que encontrasse nenhum vestígio de água. De repente olhou a planície à sua frente e, nas ondas da reverberação do calor, desejou a frescura do mar que o viajante lhe descrevera. E avançou, com uma certeza profunda.
   Contam, naquele país longínquo, que ninguém mais viu o homem. Na planície, encontraram o pau que sempre o acompanhava. Na sua ponta, já seco do sol tórrido, estava um peixe que alguns reconheceram das histórias que tinham ouvido."

Alice Duarte, in "Escrever é um lugar tão perto (vol. IV)" 



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