Em busca da visão

"Numa tribo índia vivia um rapaz. Um belo rapaz. Ele era um rapaz muito bom, um rapaz mesmo muito bom, muito bom. Na verdade, ele era o melhor rapaz de toda a tribo, e sabia-o! Chegou o dia em que teve que partir em busca da sua visão, e todos na aldeia tinham a certeza de que receberia uma excelente visão. Ele partiu da aldeia com seu mestre, que o levou para o sopé de uma montanha próxima. Aí, o jovem despiu todas as suas roupas e, nu e sozinho, subiu meia encosta até onde o mestre escavara um buraco da visão. Sem hesitar, o jovem meteu-se no buraco, e depois começou a gritar - Grande Espírito, Grande Espírito, envia-me uma visão!
Continuou a gritar durante todo o dia e toda a noite, e, mal rompeu a aurora, fez uma pausa para recuperar o fôlego. No silêncio da manhã, de repente, ouviu vozes a sussurrarem por perto. Olhou em volta, mas não viu ninguém. Apurou mais o ouvido, e percebeu que era a erva que falava, e lhe dizia - Ouve lá! Há aqui tantas montanhas. Por que tinhas tu que escolher esta para gritar e lamentar-te? Não conseguimos dormir a noite inteira. Agora, vai-te embora!
O jovem ficou espantado, mas quando se recompôs disse - Não. Não me vou embora sem ter uma visão. - E começou a gritar de novo - Grande Espírito, envia-me uma visão! Grande Espírito, Grande Espírito, envia-me uma visão!  - continuando assim pelo dia e noite fora.
Ao amanhecer, fez uma nova pausa para recuperar o fôlego e ouviu a erva a sussurrar furiosa - Esta foi outra noite em claro para todos nós! Por que não vais gritar para outro sítio?
- Não - disse o jovem com teimosia. - Partirei apenas quando tiver recebido uma visão.
- É isso que vamos ver! - sibilou a erva, e um relâmpago iluminou o centro do céu azul. Caiu um raio na base de um enorme pedregulho redondo, que estava exactamente no cimo da montanha. Com o embate, o pedregulho oscilou para trás e para a frente, para trás e para a frente, para trás e para a frente até perder o equilíbrio e lentamente começar a rolar pela encosta abaixo direito ao jovem, que estava no buraco de visão. Depressa começou a aumentar a velocidade aproximando-se cada vez mais do buraco. Rolou direito a ele, e, depois deteve-se mesmo junto ao rebordo. - Vais-te embora, agora? - perguntou a erva, ameaçando. Podia dizer-se o que se quisesse daquele jovem, mas ele acabara de demonstrar ali a sua valentia. - N... na... não - disse ele a gaguejar, mas desafiador -, só parto quando tiver recebido a minha visão. 
- Muito bem! - disse a erva com brusquidão e já sem paciência. E depois, aconteceu algo verdadeiramente extraordinário. O pedregulho virou-se e rolou encosta acima! Ao chegar ao cume, balançou para trás e para a frente, para trás e para a frente, para trás e para a frente, e depois começou a descer a montanha aos saltos direita ao jovem, que continuava metido no seu buraco da visão. Aquilo foi demasiado para o jovem, que trepou para fora do buraco e começou a correr pela colina abaixo, mas, para onde quer que fosse, o pedregulho perseguia-o aos saltos até, por fim, lhe saltar por cima da cabeça e se enterrar no chão à sua frente, fazendo-o esbarrar de encontro a ele. Naquele momento, a audácia do jovem já desaparecera por completo. A chorar, nu e humilhado, teve que voltar para a sua aldeia e admitir que não recebera nenhuma visão. Mas o seu mestre disse-lhe - Não se pode pedir uma visão. Não basta sermos audaciosos, fortes e resistentes. Só podemos pedir uma visão e esperar recebê-la se formos humildes. E, se aprendeste isso, já aprendeste muito."

Tim Bowley in "Sementes ao vento: contos do mundo"

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