CARTA-PREFÁCIO PARA VINICIUS DE MORAIS

   Amigo:
 
   Quando estiveste, da primeira vez, por aqui dando show, umas granfas (loiras e morenas notáveis, como diria Mestre Carlos, mas granfas), comentando os preços da boate onde, em duas ou três sessões, te produziste com a tua turma, disserem ou fizeram dizer: «Quem não tem dinheiro, não tem Vinicius.» Vinicius, vícios... Não ligues. Olha que elas dispunham de muito bago. Estavam era a ser desajeitadas na maneira de te homenagear. Algumas conheciam de ti o poeta encaixilhado no sério. Charmoso, mas, apesar de tudo, respeitável-respeitoso. Usavam o teu Soneto do Amor Total, não como tabatière à musique, nem como máquina de pensar, mas como caixinha de arroubos, entre as muitas outras que sempre trazem na malinha, com coisinhas para pôr ou tirar dor de cabeça.
   Dessas, umas quantas mostraram-se decepcionadas, ofendidas contigo por teres descido do livro à boate, do soneto ao samba. E fizeram constar a decepção, a ofensa que sentiam. Não ligues. Estavam era mordidinhas de inveja perante a quantidade de liberdade que tu, em cada noite, produzias!
   Marcus Vinicius, eu vi-te aquém e além-palco, con-vivi-tigo. No Alentejo, que agora, mais que nunca, ai de nós, é um adjectivo, vi-te, convivi-te no teu simplório convívio. Estavas em construção, como sempre não definitivo. Tua felicidade, teu riso mais riso, era entre esse pessoal amigo.
   Há muita gente ainda por aí (tenho medo que aumente!) que de ti o que quer é o catorze, quer dizer o soneto, e rejeita outro meio de comunicar, que afinal é o mesmo: tocantar.
   Perceba, por uma vez, essa gentalha, que o Vinicius poeta e o Vinicius sambista são da mesma igualha!

   São
   o operário
   em construção


         Abração
ALEXANDRE O'NEILL
       Lisboa, Nov. 75
 
                                                                                                                                                                                    

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