Samba carinhoso

   "Sidney Tartaruga gostava de telenovelas e de instrumentos de cordas, mas gostava mais de gostar de gostar de alguém. Num diário elaborava paixões que incluíam o desenho da casa onde tocaria violão e cantaria: «Meu coração não sei porquê / fica feliz quando te vê.»
   O corpo de Sidney cresceu durante a adolescência como se o rapaz treinasse para o título de pesados e, aos 18 anos, poderia ser porteiro de discoteca. Sidney nem sequer fazia exercício, por isso estranhava a contundência da musculatura que lhe trazia mais desconforto que segurança diante das mulheres por quem se apaixonava - no mercado, na praia, no emprego como vigilante numa farmácia 24 horas. Fosse onde fosse, elas viam sempre a besta halterofilista em vez do amante suave capaz de cantar: «Os meus olhos ficam sorrindo / e pelas ruas vão-te seguindo.» Quem olhava para ele via um quebra-ossos profissional e não poderia supor que aquele colosso chorava a ouvir Maria Bethânia, que tocava cavaquinho como quem faz um pedido de casamento e se desmoronava de amores pelas mulheres mais vulneráveis a depressões.
   Um dia, o seu amigo Jairzinho disse: «Tem que chegar forte, deixa de serenatas porque mulher gosta é de porrada.» Nessa noite, Sidney dançou com Madalena na sala de casa, apertando-lhe a cintura como quem morde uma maçã. Ela ofereceu o pescoço, abriu um pouco as pernas, afastou o tecido do top. Mas em vez de atacar, como sugerira o amigo, Sidney cantou:«Ah, se tu soubesses como sou tão carinhoso / e o muito muito que te quero.» Madalena disse, enquanto tirava o resto da roupa: «Eu sei.»"
 
Hugo Gonçalves, in "Fado, samba e beijos com língua"

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