Princípio de ano

Na primeira segunda-feira deste mês de Janeiro fui fazer a pré-inscrição dos meus netos no colégio escolhido pelos pais, para o próximo ano lectivo em que, possivelmente, regressarão à Pátria.
Ignorante destas andanças actuais, pensava eu que, chegando às nove da manhã à secretaria tudo se resolveria em três tempos. Acontece que, às nove da manhã - segundo a senha que me foi atribuída - tinha apenas duzentas e trinta e sete pessoas à minha frente... Pessoas que enchiam os pátios, que enchiam a rua, que berravam ao telemóvel «É sempre a mesma coisa, este ano cheguei aqui às sete, e já havia gente à minha frente!»
Há apenas duas funcionárias a despachar o pessoal, ambas naquele ritmo calejado de quem tem todo o tempo do mundo pela frente e, se os outros não tiverem, que se lixem. Algumas horas depois (e porque muitos pais desistiram de esperar e foram à vida) lá me vejo diante da funcionária, a quem explico toda a história (as crianças vivem muito longe, nunca andaram em escolas portuguesas, etc.) e entrego os impressos que, entretanto, preenchi.
Confesso que nunca fui boa a preencher impressos, mas ali pensava ter feito obra asseada.
Impassível, sem sequer olhar para mim enquanto falo, a funcionária diz-me que falta o nome da escola que eles agora frequentam, e eu aponto a linha do impresso onde isso está, «mas falta a morada», e eu digo que não sei a morada, sei que é em Chicago e mais nada, mas sem morada nada feito, diz ela, e além disso também faltam os dados sobre o local de trabalho do pai das crianças, só «Universidade de Chicago», não chega, diz ela, é preciso nome de departamento, morada, telefone ou telemóvel - apesar de eu lhe ter dito que serei eu a tratar de tudo, e de lhe ter dado todos os meus contactos possíveis e imagináveis.
Não se comove, mas diante do meu ar aflito, lá condescende em que mande tudo o que falta por fax, mas o mais rapidamente possível. Vou já a sair a porta da secretária quando ela me chama, só para dizer que lá para Maio terei a resposta, mas que não alimente esperanças, porque nenhuma das crianças vai conseguir entrar, e muito boa tarde, e um bom ano para a senhora.

Alice Vieira in "Pezinhos de coentrada"

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